Uma dica para quem quer um atendimento mais comprometido com saúde e menos comprometido com o lucro

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Muitas das rotinas às quais as mulheres submetem-se “docilmente” todos os anos são desnecessárias. A medicina, e em especial a ginecologia, foi muito hábil em determinar uma série de supostos desvios na saúde das mulheres, que “precisam” ser insistentemente verificados e que, de certa forma, servem para justificar nossa posição na sociedade. Somos mantidas assim, reféns de consultas, exames e medicações, muitas vezes prejudiciais.
É comum que mulheres comecem uma consulta assim:  “estou até envergonhada, faz muito tempo que não consulto uma ginecologista”. “Quanto tempo?” Pergunto eu. “Dois anos”.
Costumo explicar que, para uma mulher que consulte um ginecologista “de convênio” (como dizem as pacientes), com quem a consulta “não dá tempo nem de esquentar a cadeira” (como afirmam), já que “atende em 10 minutos”, com quem elas não conseguem “fazer sequer uma pergunta”, ou mesmo dizer que fazem sexo com outras mulheres, e ainda assim, saem com “amostras grátis” de anticoncepcional e uma “pilha de exames”…pode ser uma sorte ausentar-se por dois anos do ginecologista.
A consulta médica deveria constituir-se em lugar seguro para o diálogo respeitoso, informações, exame físico e quando necessários, exames complementares. Mas a mercantilização da saúde, a confiança irrestrita na tecnologia, a formação médica inadequada, o modelo de saúde com foco em especialistas, e a ideia de que o corpo feminino é cheio de defeitos que precisam ser corrigidos, faz com que a consulta não seja centrada nas mulheres e sim em supostas patologias que precisam a todo custo (caríssimo aliás) ser prevenidas ou remediadas.
Assim, uma menina jovem que acabou de menstruar pela primeira vez, e que por isso ainda tem ciclos irregulares, não sai de uma consulta sem uma pílula “para regular”. Depois, aos 15 ou 16 anos, quando precisar de contracepção, não será mais preciso discutir esse assunto que tanto tempo pode tomar de uma consulta. E então, “sem perceber”, as mulheres estão tomando pílula há 20 anos.
O papanicolau ou preventivo de colo de útero não precisa ser feito todos os anos. Se uma mulher tem dois exames consecutivos negativos, pode coletar o próximo três anos depois, em alguns lugares a recomendação é cinco anos depois. Mais importante é saber que evitar tabagismo e usar camisinha nas relações com homens também são fatores que protegem contra câncer de colo. Infelizmente, são as mulheres mais desfavorecidas socialmente, com dificuldade de acesso ao sistema de saúde que terão câncer de colo. Diretrizes para o rastreamento do câncer de colo de útero (aqui você pode acessar como são as orientações de rastreio e também o que deve ser feito diante de exames alterados)
Mulheres que fazem sexo com mulheres também precisam coletar papanicolau. Mulheres na menopausa que estão com a vagina ressecada, devem primeiro fazer um ciclo de estrogênio tópico para somente depois coletar o papanicolau, pois a coleta com a vagina muito ressecada pode levar a resultados falso-positivos.
A colposcopia, exame em que se observa o colo do útero com uma lente de aumento, para que se possa biopsiar lesões suspeitas, só deveria ser feita caso o resultado do papanicolau viesse alterado. Ela complementa o papanicolau. Solicitar os dois exames juntos é uma prática que pode levar a biópsias de colo dolorosas, preocupação e temor desnecessariamente.
Algumas mulheres acham legal ter a oportunidade de ver o colo do útero na “televisão” da colposcopia. Mas isso é possível com um simples espelho na própria mesa de exames. Que aliás, não precisa ter perneiras. Uma maca larga pode muito facilmente possibilitar que a mulher acomode-se. Outra prática que pode tornar o exame ginecológico menos traumatizante e simbolicamente empoderador é solicitar inserir o espéculo você mesma. Ver o próprio colo, seu aspecto, a rugosidade e secreção vaginal pode ser muito interessante quando o(a) profissional está disposto(a) a orientar o seu olhar para coisas importantes de se observar. Favorece o cuidado de si.
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Oficina Fique Amiga Dela (2013) coordenada por Simone Diniz (Foto Ana Luisa Lacerda)

É também cada vez mais comum entre ginecologistas, sem que haja qualquer alteração no exame físico (e segundo muitas mulheres, sem sequer fazê-lo…) a prática de solicitar na consulta de rotina o combo: papanicolau, colposcopia e captura híbrida para HPV. Não recebi uma ou duas pacientes preocupadas porque “tinham HPV”… foram dezenas somente este ano. Traziam papanicolau e colposcopia normais e uma captura híbrida (exame de DNA da secreção vaginal) demonstrando serem portadoras de HPV de baixo risco.
Sim, estima-se que 40 – 50% das mulheres tenham HPV em sua flora. Isso não é um problema. Na maioria das vezes vamos conseguir lidar com a infecção. Mas em situações de estresse, baixa imunológica ou quando a mulher fuma e/ou usa pílula anticoncepcional há maior risco desse HPV causar alterações celulares (vistas só ao microscópio) ou verrugas genitais. A “captura híbrida de HPV” só deveria ser solicitada se surge alguma alteração e/ou a mulher tem comprometimento imunológico (HIV por exemplo) e é por isso importante descobrirmos se o subtipo do vírus é mais grave (aqueles que estão implicados no câncer de colo).
Algumas diretrizes  tem proposto uma co-testagem (papanicolau + teste para HPV) para mulheres entre 30-65 anos que desejam alargar o tempo entre um rastreio e o próximo para 5 anosScreening for cervical cancer: U.S. Preventive Services Task Force recommendation statement. Mas essa recomendação rapidamente espalhou-se como pólvora e um tanto distorcida: tem sido solicitada para todas as mulheres, todos os anos, e sem que sejam informadas sobre o risco e preocupações de um diagnóstico virtual de ser portadora de um HPV de alto risco (!)…Então ( e esse parágrafo foi adicionado em resposta aos colegas que questionaram a questão da testagem para HPV no texto), por favor, leiam as recomendações na íntegra. Por hora, as diretrizes brasileiras, pactuadas por especialistas da área são as disponibilizadas lá em cima. E testagem para HPV não faz parte do rotina.
Vacinar-se contra HPV também não protege a mulher contra o câncer de colo. Não há nenhum estudo que mostre diminuição de câncer em meninas vacinadas. Há somente uma suposição de que isso aconteça porque lesões intermediárias (NIC II e NICIII) diminuem (pouco) com a vacinação. Além dos mais, deve-se levar em conta os inúmeros casos divulgados de reações adversas à vacina. Questão que, aliás, não tem merecido a devida atenção do governo brasileiro. Asociacion de afectadas por la vacuna de papiloma
Quanto aos exames de imagem, nem o ultrassom transvaginal, nem o ultrassom de mamas devem ser realizados como rotina em pacientes sem queixa ou alteração no exame físico. Ultrassons transvaginais realizados rotineiramente (em mulheres sem queixa e sem massa palpável) não diminuem a mortalidade por câncer de ovário mas aumentam a retirada de ovários sem que haja realmente necessidade (cistos funcionais e tumores benignos são comuns e pode não ser necessário retirá-los). Final evidence review ovarian cancer
O mesmo vale para o ultrassom de mamas. Se não há nódulo palpável, retração ou outras alterações, uma paciente jovem não deveria ser submetida a este exame rotineiramente. Mulheres sem história familiar de câncer de mama só precisariam fazer exame a partir dos 50 anos (com uma mamografia), sendo esse tema ainda bastante controverso.
E os check-ups laboratoriais? Se está corada, hemograma pra quê? Não tem risco cardiovascular (hipertensão, tabagista, história familiar) esqueça seu colesterol (mas lembre que ele estará bom enquanto você se alimentar bem, com pouca proteína animal e praticar atividade física).
É isso. Infelizmente, chegamos no ponto em que vamos ter que dialogar essas questões com nossos médicos. É para que esse exame doutor(a)? Quais riscos ele pode trazer? Quais benefícios?
Médicos passaram a acreditar que pacientes só ficam “satisfeitas” se saem das consultas portando pedidos de exame. É certo também que muitas pacientes passaram a acreditar que muitos desses exames eram necessários e começaram a solicitá-los. Mas duvido que com boa conversa, e recebendo informações e orientações importantes, as mulheres queiram continuar correndo os riscos que correm atualmente com a excessiva medicalização de suas vidas.
Uma dica para quem quer um atendimento mais comprometido com saúde e menos comprometido com o lucro: visite seu centro de saúde. Marque uma consulta com a enfermagem ou médico de família. Você corre menos risco (mas não completamente) de ter exames desnecessários solicitados no sistema público. Aproveite para conhecê-lo com os próprios olhos e não com os olhos da mídia que todos os dias tenta desqualificar o SUS. Ele só vai melhorar se o defendermos.
PS: Esse texto não defende que as mulheres deixem de procurar médicos ou serviços de saúde, mas sim que questionem e passem a demandar uma tomada de decisão conjunta sobre questões que afetam sua saúde.
Halana Faria
Médica Ginecologista e Obstetra
Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde/São Paulo e Florianópolis

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